A cidade foi crescendo para as margens e os blocos de vidro e betão ceifaram as moradias e os quintais dos arrabaldes. A casa do narrador – casulo protector cheio de passado – é, na verdade, a única que resiste, mas está irremediavelmente condenada à extinção.
Enquanto recebe a visita da agente imobiliária que se ocupará da venda, este homem adulto e sozinho recorda o que foi a sua vida nesse refúgio – a superprotecção das mulheres, o carácter fantasista e megalómano do pai, a relação simbiótica com a irmã, as atitudes intempestivas do tio mulherengo mutilado na guerra colonial que ensaiou o próprio velório aos vinte anos, a loucura do professor que lhe dava lições particulares. Nenhuma das suas figuras de referência o preparou para a emancipação – todas, pelo contrário, o incompatibilizaram com a vida comum. E, porém, Vergílio não está só no seu destino, porque a recapitulação dos dramas vividos pela sua família de geração em geração é, afinal, o eco do drama colectivo da Humanidade – e, ao mesmo tempo, um abrigo espiritual que substituirá a casa que está prestes a abandonar.
Numa linguagem extraordinariamente cuidada, onde não faltam imagens inesquecíveis, e com uma poderosa galeria de personagens oscilando entre o trágico e o cómico, Vasco Luís Curado oferece-nos um romance a que não é possível ficarmos indiferentes, ou não se tratasse da verdadeira vida.