São raríssimas as autoras portuguesas que abrem a porta da sua intimidade aos leitores. Ao fim de duas dezenas de títulos, Rita Ferro corre esse risco oferecendo-nos a narrativa diária de alguns meses da sua vida, sem artifícios literários, num dos períodos mais sombrios e no rescaldo de perdas nucleares: o maior amigo, a casa onde investiu todas as economias, a mãe, o afastamento daquele que pode ter sido o seu grande amor. Veneza Pode Esperar é o balanço autobiográfico de uma pós-feminista pragmática, mas aberta ao mistério, às voltas com o mal-estar contemporâneo, ao longo de 240 páginas tonalizadas pelo humor, a auto- ironia e a amarga lucidez de quem sabe perder, onde o presente se confunde com a memória e a escritora com uma das suas personagens. Trata-se do primeiro volume de um diário íntimo, coleccionável como um folhetim, sem happy end nem beijos ao pôr do Sol.