“Se Leon havia se extinguido, por que remexer a lama toda?” poderia ser a frase inaugural deste livro. Poderia ainda ser uma falsa oração de Júlia Capovilla em busca de si mesma e da existência. Este livro é sobre (e com) a vida de Júlia: a pessoa, o nome, a vitalidade, a estória.
Confissão e vivência, redemoinho e salvação – este poderia ser o curto resumo de Suíte Dama da Noite. Entre celeste e infernal, esta mulher mente tão profundamente que se crê imune à mentira.
Mas uma corda a ata ao mundo real: um nome: uma palavra: amor. Ainda que não ache “graça em brincar de amores que não fossem clandestinos”. Afinal, quase todo mundo pode ser acusado de ter/ser uma vida assim. Entre laços habituais, humanos: uma mãe ausente, um pai doente, uma tia cuidadosa, um amante onipresente mas inacessível. “Como justificar o fato de que suas plantas não sobreviviam mais do que poucas semanas?” E se os amores e os laços com a vida obedecessem à mesma triste regra? E “por que razão jogava-se com tanta frequência contra a espada se durante o corte se arrependia?”
Júlia prossegue a hercúlea missão de entender e de combater a vulgaridade dos dias. A mentira é a sua arma aperfeiçoada, certeira, contra o inanimado casamento e o gigantesco vulto do amante.
Pontuada com ritmos externos, a narrativa enfoca sobretudo o plano interno. Até que Júlia, aos poucos, se abre em confissão: “Vi a primeira flor da estação cair de uma paineira: seda rosa deslizando lassa, quase pudica. Árvore por árvore, vi o Outono lentamente despir até o amanhecer.”
(…)
Manoela Sawitzki inscreve assim, na literatura contemporânea brasileira, um poderoso retrato das querenças, relações e contradições humanas, partindo do olho de um oculto furacão chamado Júlia Capovilla.
ONDJAKI, badana da edição da Record de Suíte Dama da noite.