Eu não quero deixar marca.
Eu não quero nada.
Com os anos, com os pontapés inesperados que levei – a morte do meu pai, o esboroar da família que criei, o fim de alguns projectos realmente relevantes -, percebi que estes vinte anos são apenas uma soma de acasos, circunstâncias, momentos.
Não foram planificados nem estrategicamente cumpridos – foram vividos, dia-a-dia, acreditando e deixando de acreditar, amando e sofrendo, desejando e deixando.
O que fica do que foi feito é o prazer que deu o melhor que consegui fazer.
E é nesta ideia que reside a vida depois destes vinte anos: procurar o prazer; sacrificar o dever.
Renunciar ao instinto da luta.
Acreditar que a seguir vem melhor.
Não cair na tentação de esperar.
Não correr.
Acima de tudo, não correr como fazia há vinte anos, quando o mundo era uma folha branca à espera que eu, só eu, a escrevesse definitivamente.
Vinte anos depois, nem um risco.
Nem um rascunho.
Nem uma palavra.
A folha continua imaculada.
E eu sem saber o que fazer dela.