O pai foi a minha mulher
A ideia de escrever este livro começou por ser de minha mulher. A Manela sempre insistiu para eu publicar umas “histórias”, para que meus netos viessem a saber quem tinha sido o avô, “o jornalista Aurélio Cunha”. Durante muito tempo, contrariei a ideia. Considerava não ter o “jeito” que ela dizia eu possuir para escrever um livro.
Em 2009, Ricardo Jorge Pinto, delegado do Expresso no Porto, desafiou-me, quando deixei de colaborar naquele semanário, a publicar os bastidores relacionados com as minhas reportagens de maior impacto público. Na sua opinião, eu tinha “histórias que mereciam ser contadas”.
A minha preocupação naquele momento era sarar as feridas provocadas pelas causas que me tinham levado à rescisão (Junho de 2003) do contrato de trabalho com o Jornal de Notícias. Não suportei sentir-me a mais, receber o vencimento para estar “encostado”.
Andava eu nesta convalescença quando a ideia de voltar a escrever começou a gatinhar. Seria uma forma de ocupar o meu tempo, que era o que eu mais passara a ter. Mas, escrever o quê? Não seriam, com certeza, as “histórias” sugeridas pela Manela para a Maria e Mafalda, até aí as minhas únicas netas. O Gabriel e a Rita ainda não eram gente.
Deu-me, então, para recordar o meu passado de repórter. Afinal, a minha vivência profissional dispensava recorrer à imaginação. Revelar os bastidores das reportagens que justificaram maior relevância junto da opinião pública, despertaria, certamente, a curiosidade dos leitores.
Andava eu nestas divagações, quando um verdadeiro “terramoto”, a doença de um filho, abalou toda a família. O nosso mundo ia sendo arrasado.
A necessidade de reagir disse-me que escrever talvez fosse uma arma a empunhar, para me manter de pé. E só de pé poderia fazer de bombeiro. Era, pois, vital situar-me na linha da frente do combate. Concluí, então, que escrever sobre as minhas reportagens seria para mim uma terapia. Assim nasceu Um Repórter Inconveniente – Bastidores do jornalismo de investigação.
Jornalista por causa de 100 escudos!
O Futebol Clube do Porto (FCP) matou as minhas veleidades futebolísticas e, por causa de 100 escudos, acabaria por empurrar-me para o jornalismo… E fui parar ao “Notícias” por engano de minha mãe. Era o “Janeiro” que estava à minha espera…
O dia do meu primeiro treino no FCP, no campo da Constituição, seria, então, o mais feliz da minha vida. Passei a ser “jogador” do “Porto”. Minha mãe, viúva, operária fabril, precisava que eu trabalhasse. O treinador Artur Baeta empregou-me na secretaria do clube, que funcionava aos sábados, razão pela qual deixei de poder ir aos treinos. E, aos 14 anos, “arrumei as botas”… Três anos depois, deixei de ser funcionário do FCP. Um aumento de apenas 100 escudos indignou-me. Respondi a um anúncio e principiei a trabalhar no Diário do Norte (DN), vespertino do Porto.
Comecei, entretanto, a escrevinhar umas coisas para os jornais da Juventude Operária Católica (JOC), que se tornaria a minha universidade de vida. Consciente da importância social do jornalismo, tive o secreto desejo de vir a ser repórter, a fim de endireitar o mundo…
Feito o serviço militar, regressei ao DN, mas como revisor. Só depois fui jornalista. Quando o jornal acabou, em 1972, abordei, em plena rua, o director do “Janeiro”, Manuel Pinto de Azevedo. Passados uns dias, a minha mãe disse-me que tinham telefonado do “Notícias”. O director, Pacheco de Miranda, muito surpreendido, afirmou-me não ter sido ele a mandar-me chamar mas, admitindo que a minha admissão no JN tivesse sido já acordada, mandou-me “começar a trabalhar”; o que aconteceu a 1 de Março de 1973.
Segundo a minha mãe, continuavam a ligar--me do “Notícias”. Concluí, então, que só poderia ser do “Janeiro”. E era. “Estamos há uma semana à sua espera e você nem aparece nem manda recado”, reagiu Pinto de Azevedo. Muito embaraçado, justifiquei-me com o engano de minha mãe. Pedi mil desculpas, mas, ainda hoje, o bendigo. Graças a ele cheguei a redactor-principal do JN.