A segunda investida poética de Saramago surge quatro anos após «Os Poemas Possíveis». São poemas de sombra e de luz, entrançados, de uma elaboração feita através do seu próprio avesso, simultaneamente de mar e de trevas.
«Devagar, vou descendo entre corais.
Abro, dissolvo o corpo: fontes minhas
De águas brancas, secretas, reunidas
Ao orvalho das rosas escondidas.
«Poemas na altura inovadores, marcados pelo amor dito-escrito em transparências breves, imprecisas, e uma certa amargura-tristeza bem portuguesas, na sua raiz claramente lírica. A paixão parece sobrepor-se à militância:
«Branco o teu peito, ou sob a pele doirado?
E os agudos cristais, ou rosas encrespadas
Como acesos sinais na fortuna do seio?
Que morangos macios, que sede inconformada,
Que vertigem nas dunas que se alteiam
Quando o vento do sangue dobra as águas
E em brancura vogamos, mortos de oiro.
«E o erotismo faz, de forma decidida, a sua aparição em verso: «Teu corpo de terra e água
Onde a quilha do meu barco
Onde a relha do arado
Abrem rotas e caminho.»
(Diário de Notícias, 9 de Outubro de 1998)