Um coração doente é o melhor tesouro que um homem pode ambicionar. Bem sei que eles acham que não. Ainda ontem esteve um deles a falar na televisão: que estamos em Maio, que Maio é o mês do coração, que é preciso olharmos pelo coração, vigiar o peso, fazer exercício, não fumar… Tretas! O que eles querem dessa forma é despojar-nos de uma das nossas maiores riquezas, que é a morte rápida, oportuna e inopinada, provocada por um enfarte, para nos entregar de mão beijada à morte lenta, preenchida de dores, provocada por algum cancro ou coisa assim. Ou, se calhar ainda pior, à vida puramente vegetativa do mal de Alzheimer. Achas que ganhamos com a troca? Hã? Quem aceitará morrer às dentadas de um cão rafeiro, podendo morrer arrebatado por uma águia-real?
A.M. Pires Cabral, "Senhor da sua morte", in O porco de Erimanto e outras fábulas