"Estas coisas têm o seu tempo: para reunir uma selecção de crónicas publicadas regularmente em jornais ou produtos comunicacionais afins (isto é, em suporte papel), é preciso que uma certa distância se crie entre o autor e as suas prosas. Uma coisa é escrever pressionado por uma data-limite, no quadro restrito de um certo espaço que lhe é dado, em circunstâncias que, muitas vezes, remetem para um presente imediato; outra, bem diferente, é sujeitar o material a um olhar mais aguçado, retendo, de tudo o que se publicou, aquilo que foi capaz de sobreviver aos condicionalismos de momento, dando ao autor e do autor uma imagem transversal dos seus interesses, das suas opiniões, dos seus gostos, enfim.
Consequentemente, a balança (o balanço?) deste livro pende para as disciplinas artísticas, com relevo particular e quase inevitável para a literatura. É um retrato-robot dos meus interesses maiores, por isso, este Papéis de jornal. E, para reforçar o carácter não-circunstancial dos textos agora publicados em livro, datei-os não por dia de publicação, mas pelo momento em que foram escritos. É mais verdadeiro. É mais revelador do estado de espírito em que os escrevi. Não é um journal littéraire («esse projecto ideal de qualquer escritor», como digo numa das últimas crónicas recolhidas neste livro), porque não foi escrito como tal, nem contém anotações de momento, reflexões pessoais autónomas, registo telegráfico de pequenas cintilações; mas pode ser lido como uma espécie de «gazeta literária» pessoal e fragmentária destes anos que assinalam a primeira década do século xxi."