«Continua indeterminado o motivo da criação desses escritores imaginados, a que Pessoa chamou heterónimos. Talvez tivesse desenvolvido certas sugestões retiradas de Joseph Addison, cujos artigos no "Spectator" lhe eram familiares. Addison antecipa a visão genérica de Pessoa sobre a poesia moderna, quando, a propósito do que sucede nos sonhos, escreve sobre uma infinita multidão e variedade de ideias, instilando-nos uma concepção elevada da natureza da alma. Esta teria o poder extraordinário, segundo Addison, de «criar a sua própria companhia... conversa com inúmeros seres da sua invenção, e deixa-se levar a dez mil cenários por si elaborados. É só por si o teatro, o actor, e o espectador». Pessoa previu que a poesia moderna seria a poesia dos sonhos, e isto incluía a poesia que ele fazia, visto ser ele um poeta moderno. Na verdade, quase toda a sua obra, muito especialmente o projecto heteronímico, assume mais precisos contornos quando a vemos como um sonho de um racionalista empedernido.»