"Houve tempo em que Manaus, ou Manoa, era sinónimo de Eldorado, a cidade prodigiosa que atiçava os sonhos febris dos navegantes e conquistadores europeus ao mesmo tempo que se furtava a todo o esforço de localização. Essa miragem, que os desejos humanos engendraram e a história humana não cansou de dissolver, serve de mote a Órfãos do Eldorado, novela que dá sequência à exploração ficcional do Norte brasileiro empreendida por Milton Hatoum desde Relato de um certo Oriente. Os desejos em jogo são os de Arminto Cordovil, filho de Armando e neto de Edílio, homens que fizeram fortuna a ferro e fogo no meio da floresta; e a história em que todos se enredam é a crónica de violência, Fausto e tragédia na Amazónia entre a Cabanagem e o fim do ciclo da borracha. Na casa elegante em Manaus ou no palacete branco de Vila Bela, Armando nutre fantasias de proprietário e armador; enquanto Arminto teima em não ser o herdeiro perfeito da dinastia. De um lado, as ambições sem medida; do outro, a paixão e a raiva sem nome. Entre umas e outras, a unir e a separar pai e filho, uma notável galeria de personagens, que vão de Angelina, a mãe morta, e Denísio Cão, um banqueiro infernal, a Florita, anjo-da-guarda moreno e Estiliano, avatar local de um famoso poeta grego, com direito a uma ``ponta``de Mário de Andrade em trajes de turista aprendiz. No centro de tudo, Dinaura, corpo estranho entre as órfãs das Carmelitas em Vila Bela, moça que parece filha do mato, lê romances, enfeitiça Arminto e sonha com a Cidade Encantada, a Eldorado submersa de que tanto se fala à beira do rio Amazonas. Mas a novela de Hatoum vais bem além das fontes maravilhosas onde foi beber. Obra de romancista maduro, Órfãos do Eldorado aos poucos descola da lenda, estilhaça em ecos, boatos e versões, e se aproxima da história ou, melhor dizendo, das mil e uma histórias individuais e colectivas que, estas sim, adquirem no seu traçado total a mesma força fatídica do mito."