“Está tudo escuro e por isso peço a vossa integral atenção.
Desliguem os telemóveis, as câmaras ocultas e outros objectos que possam distrair-vos deste espaço que está confinado ao meu corpo. Um quarto, neste enorme e frio navio encalhado no alcatrão da cidade. Da minha cidade, que sempre amei, e que sei ser a que mais bela luz possui e onde todas as janelas espelham infinitas cores. Sempre inéditas, em cada dia que se atreve a mirar nos seus vidros.
Um navio a abarrotar de passageiros, alojados em diferentes classes, com pulseirinhas nos pulsos que lhes dão acesso a todos os serviços disponíveis.
Para alguns trata-se de uma viagem sem regresso, sem paragens nem saídas.
Talvez seja esse o meu caso, por exemplo.
Viajo neste barco em mar alto, sabendo que dele talvez nunca venha a escapar… Grito por socorro aos marinheiros, ao homem do leme, ao comandante, às sereias, minhas colegas de rochedos, mas ninguém me responde.
Nem mesmo o anjo, que aqui percebi existir. Nem ele tem resposta que me possa ser dada.
Se a têm, ainda não me julgam com a excelência para a ouvir.
Estou em coma profundo.”