O nome de Maquiavel anda intimamente associado, na linguagem comum e em boa parte da bibliografia especializada, ao início da modernidade, essa nova aetas em que o realismo e a «razão de Estado», pela primeira vez, teriam irrompido na história.
A perspetiva a partir da qual o presente volume sugere a persistência de uma herança de Maquiavel, perpetuada até aos nossos dias, pouco ou nada tem a ver com essa tradição. […] Maquiavel não é Bodin, nem Hobbes. Se, por conseguinte, de herdeiros de Maquiavel se pode falar com alguma pertinência, não é porque ele haja antecipado as teorias do Estado, muito menos as do Estado-nação […]; é, sim, porque a fratura por ele produzida na história do pensamento político é, de algum modo, insanável e se faz irremediavelmente sentir, mesmo em formulações da política as mais avessas ao maquiavelismo. […] O essencial da sua «herança» reside aí, podendo ver-se tanto na argumentação barroca em que Richelieu vai sustentar o Estado, como na sofisticação revolucionária com que Lenine o reinventa, não obstante acreditar na sua extinção iminente.