«[...] A questão da fome, a questão da repressão, a questão de surgirem personagens de camadas e classes sociais que, até aí, eram segregadas da literatura, parece-me (hoje, a esta distância, tanto quanto me vejo, até como personagem do meu próprio destino), parecem-me correctas... Quando escrevi o Luuanda a minha preocupação era ser o mais fiel possível àquela realidade. Se a fome, a exploração, o desemprego, surgem com muita evidência, não se trata de uma atitude preconcebida, de uma atitude consciente. É porque isso era - digamos assim - o aquário onde meus personagens e eu circulávamos... A questão da linguagem já não é tão inocente assim... Muito embora não pretendesse fazer uma cópia fiel da linguagem utilizada pelas camadas populares luandenses. Tenho que reconhecer - para o caso do Luuanda - que em certa altura eu achei até que teria um significado político: demonstrar que, na própria língua do colonizador, a nossa diferença cultural nos permitia escrever de modo que era difícil, ao próprio colonizador, entender o nosso código linguístico. Mas essa parte deliberada na criação de uma linguagem é apenas uma excrescência. Porque o meu intuito era (não consegui, com certeza!) criar uma linguagem ao nível literário a partir dos mesmos processos e das estruturas linguísticas bantas da região de Luanda. Que fosse homóloga da linguagem popular e não a sua cópia ou a sua reprodução [...].»