A primeira sensação é de frieza. Uma mulher descreve, na primeira pessoa, a morte dos pais, o ritual sempre um pouco claustrofóbico da preparação do cadáver, as diligências hospitalares, a visita à morgue, a missa de corpo presente, o funeral.
Pouco a pouco, porém, percebe-se que não é assim.
Que por detrás da serenidade das palavras há uma tensão, a descoberta súbita e surpreendente de uma falta que nada, alguma vez, preencherá.
E sobretudo a busca da memória, a tentativa desesperada de restaurar, através da narrativa, a presença fulgurante daqueles que partiram.
Annie Ernaux reúne aqui os diferentes rostos e a vida de sua mãe, falecida a 7 de Abril de 1986, após uma prolongada doença que lhe destruiu a memória e a integridade intelectual e física.
E também a memória do pai, a recordação dos seus sonhos de pequeno comerciante, sempre um pouco frustados.
Um lugar ao Sol e Uma Mulher tornam-se assim, ao mesmo tempo, a narrativa de uma existência individual, e a descrição da ambivalência dos sentimentos que unem filha e pais: amor, ódio, ternura, culpa e, por fim, ligação umbilical a dois seres que o tempo e a doença profundamente diminuiram.
"Nunca mais escutarei a sua voz... Perdi o último elo que me ligava ao mundo de que nasci."