O debate aqui promovido começa com a referência ao papel da Universidade na ciência, na cultura e na vida da Europa dos séculos XX e XXI, numa Europa em processo de unificação, atualmente desafiada pela crise económica.
Este caminho abre-se na entrevista internacional concedida pelo conhecido crítico literário e pensador europeu George Steiner (Churchill College, Universidade de Cambridge e Doutor honoris causa da UL). Apontando vários aspetos que assombram o hoje e o amanhã das universidades, e sublinhando a inevitável especialização destas de acordo com as disciplinas de abrangência internacional, o autor de As Lições dos Mestres revela-nos uma fonte paradoxal do otimismo – a crise como fator para os jovens descobrirem os prazeres menos imediatos e saborearem a arte, tornando-se participantes mais conscientes da cultura, da ciência e da vida.
A rica reflexão de George Steiner encontra a sua continuação, amplificação e especificação nas secções subsequentes desta edição da revista, na maioria dos casos focadas sobre a realidade portuguesa e sobretudo num facto específico de enorme importância – os cem anos de história da Universidade de Lisboa. A figura a que cumpre dar mais demorada palavra neste assunto será ao Professor Doutor António Nóvoa, atual Reitor da UL – que lidera a sua Universidade na presente transição entre os programas estratégicos de educação comunitária –, que desde a “Estratégia de Lisboa” à “Europa 2020”, sonha e empenha-se numa reforma da UL movida pela ideia de criação cultural, científica e pedagógica.
A Universidade de Lisboa e o tão único olhar do seu Reitor predominam em quatro partes da Revista: Dossiê Temático dedicado ao Centenário da Universidade; Nós, os Outros – o Reitor da UL entrevistado por Miguel Real –; o extra-texto Cadernos que oferece uma seleção dos principais discursos do Reitor da UL, desde a sua tomada de posse em 2006; a Monofolha que apresenta uma cronologia com os grandes marcos da Universidade em Portugal na sua articulação com o percurso histórico da Universidade de Lisboa.
No Dossiê Temático, dedicado ao Centenário da UL e coordenado por José Eduardo Franco e Ana Simões, o leitor encontrará uma série de biografias de grandes personalidades ligadas à UL que influenciaram a cultura e a ciência portuguesas nos últimos cem anos. Este conjunto é acompanhado por duas reflexões de fundo proferidas por duas destacadas figuras da Universidade de Lisboa de hoje: Luís Salgado de Matos pergunta pelas mudanças no modelo da UL no artigo “A Universidade de Lisboa. Uma breve visão estratégica das suas relações com o Estado”; Fernando Cristóvão dá-nos o testemunho de um académico, protagonista e participante da vida e ciência universitárias ao longo das últimas décadas.
À lista das personalidades da UL evocadas no Dossiê Temático, Fernando Cristóvão acrescenta ainda (na Evocação) o nome de Luís Filipe Lindley Cintra, recordado não apenas como grande professor e especialista nas áreas da Filologia e da Linguística Portuguesa, mas igualmente pelo seu caráter vincado e frontalidade.
As questões sobre as Letras e a Vida nas perspetivas portuguesa e europeia – não sendo possível contornar a temática da crise – influenciam também outras seções do terceiro número. Assim, por exemplo, na secção Quinteto, Vera Borges, socióloga do ICS entrevistada por Rosa Fina, comenta, na sua reflexão sobre os artistas e sobre a sua relação com a cidade e com o mundo, que cada um de nós ganharia muito em encontrar o artista dentro de si, o que até seria bastante útil para ultrapassar esta crise.
Na secção Vozes Consoantes são apresentados cinco artigos de reflexão académica sobre cultura, topoi literários e disciplinas de estudo ainda in statu nascendi: as “Narrativas Desconcertantes” de Petar Petrov, que analisa a obra de Gonçalo M. Tavares no contexto da literatura portuguesa do século XXI; Amon Pinho, com o artigo “Da imaginação utópica”, propõe uma nova valorização da “utopia mas em ação” para invenção e alteridade social; “A África como locus na literatura portuguesa”, de Inocência Mata, que procura marcar novas dimensões na literatura portuguesa focada na África pós-colonial; Hanna Pięta, no artigo “Estudos Ibero-Eslavos em Portugal: uma Disciplina in statu nascendi”, apresenta teoricamente as realizações e desafios na última década da disciplina recentemente desenvolvida com mais vigor pelo CLEPUL e as instituições associadas: os estudos ibero-eslavos; finalmente o “Cinema Português 2001-2010”, de José de Matos-Cruz, será uma continuação do dossiê “Estado da arte 2000-2010” iniciado no segundo número da Revista. Aqui o leitor vai oportunamente ter em mãos algum material para considerar uma tese mencionada na entrevista com Gorge Steiner: “Será o cinema a disciplina que acompanha hoje em dia melhor a atualidade, e não a literatura?”.
Como é habitual a revista convida também a saborear a criação artística. A secção “Signos e Rotação” expõe alguns quadros de Alice Valente, apresentados por Annabela Rita, onde encontramos uma arte sensibilizadora ao olhar e ao sentir de cada um dos seus espetadores. Na criação literária encontramos os contos de Filomena Marona Beja, Antonieta Preto e de Sérgio Carvalho. Os inéditos de poesia foram amavelmente oferecidos por uma estrela nascente do nosso panorama cultural, Ana Salomé, e por um surpreendente Mendo Castro Henriques, que se estreia connosco na divulgação dos seus lavores poéticos.
Varias secções apresentam os frutos da investigação e da atividade dos membros e colaboradores do CLEPUL, recensões críticas, vida de letras e letras com vida no vasto horizonte científico e cultural abrangido pelo nosso Centro. Na secção Inéditos, os leitores encontrarão alguns manuscritos de Eça de Queirós, referentes ao romance A Ilustre Casa de Ramires, apresentados e analisados por Cristina Sobral e Isabel Rocheta. O Dossiê Escritor, coordenado por António José Borges, sugere-nos Urbano Tavares Rodrigues, um dos mais importantes escritores da literatura portuguesa do século XX, distinto e profícuo romancista, contista, ensaísta, crítico, cronista e poeta.
Por fim, ainda no que diz respeito aos “extra textos” deste número da Revista o leitor receberá nas suas mãos o fruto de um projeto monumental do CLEPUL – um DVD com a mais recente obra de coordenação geral de José Eduardo Franco Arquivos secretos de Vaticano. Expansão Portuguesa: Documentação. Este é um contributo de uma vasta equipa de colaboradores do CLEPUL que oferece um importante compêndio de referência para a investigação em diferentes áreas.
Traçados os caminhos deste terceiro número, em que promovemos o debate sobre o complexo vida/universidade/cultura em perspetivas portuguesa e europeia, esperamos contribuir para um frutuoso diálogo, de modo a que os espaços onde a vida e as letras se encontram se alarguem, debatendo questões universais e sempre atuais. Juntamo-nos a George Steiner na esperança de um mundo capaz de “saborear o universal, profundo e difícil”, e esperemos, ao lado de António Nóvoa, que a mudança traga três desafios: “mais mundo, mais liberdade e mais conhecimento”.