A presente obra que é colocada à disposição do público leitor, da autoria do Mestre Miguel Mendes Pereira, reveste-se de inegável interesse. Numa área jurídica que apresenta múltiplas dificuldades, relacionadas quer com o carácter interdisciplinar do direito da concorrência, quer com a relativa juventude destas matérias entre nós, quer ainda com o seu carácter muito dinâmico, os comentários aos principais instrumentos normativos do direito nacional da concorrência são contributos importantes para todos aqueles que são confrontados com a tarefa de interpretar e aplicar as suas regras. A reforma legislativa e institucional de 2003, traduzida na adopção de um novo regime jurídico da concorrência (Lei n.º 18/2003) e na criação da Autoridade da Concorrência, como ente público dotado de autonomia reforçada com a missão estatutária de assegurar a aplicação daquele regime, marcou claramente uma viragem essencial no desenvolvimento entre nós de uma política de concorrência a partir dos primeiros passos normativos dados ainda antes da nossa adesão à então Comunidade Económica Europeia com o primeiro regime geral de defesa da concorrência de 1983 (sem esquecer o primeiro regime de controlo directo de operações de concentrações de empresas, aprovado em 1988).
O caminho percorrido até ao presente conheceu significativos escolhos, que se devem a múltiplas razões que seria complicado aqui enumerar. Entre muitas, refira-se apenas a menor sensibilidade para os valores de mercado, que pode representar ainda uma herança dos regimes de condicionamento industrial do Estado Novo por vezes combinada com os novos modelos de intervencionismo e dirigismo públicos da economia que resultaram da ruptura de 1974-75.
Impõe-se referir igualmente a tradicional ausência de uma cultura jurídico-económica de concorrência, a qual deve ser laboriosamente afirmada através da elaboração científica neste domínio e de uma praxis de aplicação coerente das normas de concorrência, envolvendo a actuação de uma Autoridade da Concorrência com poderes importantes neste plano e a consolidação de um crivo de escrutínio jurisprudencial dos processos de aplicação das regras de concorrência.
Este caminho tem sido percorrido com passos significativos e acelerados nos últimos anos sobretudo, como acima se refere, desde que a Autoridade da Concorrência iniciou a sua actividade em 2003 coincidindo também este período com opções normativas e políticas da UE no sentido da descentralização dos processos de aplicação do próprio direito comunitário da concorrência - consubstanciadas no Regulamento CE 1/2003 do Conselho - com um papel acrescido nesse plano das autoridades nacionais (reforçando-se assim também, in concreto, a interacção entre as normas comunitárias e as normas nacionais de concorrência num verdadeiro processo de 'harmonização' voluntária a partir do modelo comunitário, que se verifica não apenas no plano legiferante mas também no que respeito a um importante 'acquis' de precedentes comunitários, jurisprudenciais e outros, com decisiva relevância para a interpretação das normas nacionais).
Neste contexto, a anotação à Lei n.º 18/2003 do Mestre Miguel Mendes Pereira que, a vários títulos, é conhecedor das dificuldades na afirmação de uma cultura jurídica de concorrência, incluindo através da sua experiência na leccionação de aulas de avaliação contínua de Direito da Concorrência no quadro da disciplina de Direito da Economia cuja regência vimos assegurando na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, representa mais um elemento auxiliar importante na compreensão destas matérias, cuja publicação é de saudar.
Fazemos votos para que a partir de uma escola jurídico-económica de direito da concorrência que se vem formando em Portugal tal compreensão hermenêutica possa a vários títulos ser aprofundada. Num domínio em que a dimensão casuística da concretização de normas, incorporando conceitos e valorações económicas, se revela essencial para a própria explicitação a par e passo do conteúdo das normas, a anotação dos normativos essenciais, envolvendo uma perspectiva prática sobre os mesmos, tem uma função relevante que deve ser valorizada. Também a esse título se justifica a atenção do público leitor para a presente publicação.