Charlotte Brontë conseguiu em Jane Eyre uma fusão perfeita entre o realismo e o romance, incorporando dois temas que persistem no inconsciente colectivo porque expressam aspirações humanas permanentes: o mito de Cinderela, a rapariga pobre e oprimida que casa com o príncipe poderoso, e o mito do sucesso: a recém-chegada sofre, persevera e triunfa da adversidade.
No entanto, Jane Eyre não é um mero romance de evasão, tem uma verdade e um realismo totais; nos momentos mais empolgantes da acção, os detalhes, como na vida real, são solidamente prosaicos e mesmo o triunfo final de Jane é um triunfo incompleto, à escala humana.
O que caracteriza a arte desta grande romancista inglesa, e ainda hoje a impõe à nossa admiração é, essencialmente, ter sabido descer ao mais profundo dos seres, mostrando-nos, na sua verdade integral, o mau e o bom, o forte e o fraco, na complexidade das suas motivações e das paixões que os dominam, a verdade e a profunda riqueza das figuras que construiu, assim como a violência que as agita, e a humanidade de que vibram e que, página após página, não cessa de nos manter suspensos e ansiosos.