"Atravessava a lezíria de Vila Franca em busca de Montalvo, com alguns amigos que convidara para sentirem o arfar do Ribatejo, por uma manhã serena e cálida. As searas iam a sazonar, a caminho da foice, e aqui e além se sentia ainda a dizimação da última cheia, que pouco poupara no seu desígnio furioso. As manadas de éguas e toiros, a tasquinharem nas ervas resplandecentes de viço, erguiam cabeças à nossa passagem. E ao trote largo duma parelha que nos embalava e a mão firme do Pompeu Reis ia dominando, falou-se da lezíria e dos seus habitantes, da sua riqueza e dos costumes que a revolvem. O nosso condutor, cuidadoso jardineiro dos campos que arrenda na campina, contou-nos com emoção o que aprendera no seu contacto com o rancho do Manuel Alexandre, da Glória. Havia ali um filão etnográfico a explorar. Rodrigues Lapa, sempre deslumbrado por tudo que represente labor dos humildes, incitou-me. E naquelas férias de Julho, sobraçando papelada e muito de entusiamo por poder servir, uma vez mais, o povo donde vim e que não traio, dispus-me a enfrentar as dificuldades da recolha. Este ensaio — que outra designação não lhe poderia apor — é pois o produto dessas férias, em que pretendi penetrar e compreender a alma e os costumes das gentes humildes e honradas dessa aldeia branquinha, que ínsoa a charneca, onde outrora se ouviam as trombetas de caça das montarias reais. Segui o processo de palavras e coisas por me parecer o mais eficaz em investigações desta natureza, e assim ilustrarei quanto possível, por desenhos e fotografias, todas as passagens que me pareceram dignas de o ser e a lei imperiosa das circunstâncias o permitiu."