A verbalização da consciência de identidade, no contexto do espaço que é para nós, hoje, o da Europa, é de matriz helénica e tem os seus primeiros testemunhos no mais antigo dos textos poéticos da nossa civilização - os Poemas Homéricos. Desde sempre tal consciência foi experienciada em correlação com a de alteridade, assente, inicialmente, num critério de ordem meramente linguística. Barbarophonos opõe-se, em Homero, àquele que fala grego e essa oposição é aí sentida em relação a um espaço oriental próximo. Pode, assim, dizer-se, que a consciência de identidade helénica, que se converterá, dentro da cultura grega, na de identidade europeia, nasce com um olhar a oriente - de Homero a Xenofonte é perseguido esse olhar neste livro.
Assim o demonstra o conteúdo deste volume, bem como o modo como os conceitos correlativos de Heleno e Bárbaro vão ganhando amplitude. Bárbaro será o Outro, de uma Ásia cujo espaço pode compreender o próprio Egipto, que se rege por códigos de comportamento diversos e não passíveis de conciliação com os gregos. Entre a curiosidade e o fascínio por essa diversidade, consoante Heródoto o demonstra, e uma consciência de supremacia cultural, cujos valores se afirmam com particular veemência em tempo de crise e de ameaça, como é o caso do das Guerras Medo-persas, os testemunhos dos autores oferecem um inesgotável manancial de leituras. Em Ésquilo, Persas, as representações de alteridade podem espelhar a potencialização da imagem negativa ou a projecção da idealização da identidade, no caso de Dario.
O efeito de estranhamento extraído da caricatura da língua e hábitos do Não-grego, proporciona matéria para criação do cómico no teatro aristofânico, mas, simultaneamente, assiste-se a um tipo de efeitos similares extraídos da caricatura do Não-ático. É que também, desde cedo, a experiência de identidade contém fissuras e paradoxos, que levam a equacionar a questão, tão típica do drama euripidiano: quem é, afinal, o verdadeiro bárbaro, retomando a abertura, já perceptível em Ésquilo, a questão das fronteiras da identidade.
Tais fissuras encontram suporte na diversidade semântica, ainda visível em Platão, entre xenos, o estrangeiro grego fora do contexto da sua polis, e barbaros, o Não-grego. Confrontamo-nos com uma Hélade que se entende como um todo e, simultaneamente, como um conjunto de micro-universos fechados, os das póleis, unidos por fortes denominadores culturais comuns. Percebem-se, todavia, mecanismos de exclusão e inclusão, dinâmicas de gradação identitária no universo da polis em relação aos seus cidadãos e aos xenoi aí acolhidos. Desde sempre, identidade e diversidade jogam-se entre dois universos diferentes mas também, com cambiantes, contradições, enriquecimento e hostilidade, no próprio cosmos identitário.