«Lá ao fundo viam-se o fumo, as barracas e os autocarros e o barulho e os prédios altos do Vale da Morte.
Mas eles não os viram, deixaram-se ficar a fazer amor por muito tempo, felizes, alheios à peste.»
Enquanto a olhava, deitada, as feições intensificadas pelo amor, enigmáticas, Rodrigo descobria, numa tortura balsâmica, palavra a palavra, o passado amorosa de Susana.
Desta vez, talvez a única, ela queria ser autêntica, revelar ao homen que amava todos os fragmentos de amor furtivo que constituíam a história da sua vida.
Queria a nudez completa, a verdade exposta e indefesa de um corpo face aos olhos do amante. E ele ouvia-a, cada noite mais cativo do seu encanto, cada noite mais intoxicado pelo veneno do ciúme.
Haviam-se refugiado nas montanhas, longe da violência e da peste das ruas de Medellín, e sabiam que enquanto continuassem a falar nada de mal lhes poderia acontecer.
Mas aquele jardim secreto, de delícias, perfumado pela musicalidade sensual do riso, pelo fascínio do amor voraz, do puro gozo erótico, ia-se sub-repticiamente ensombrando pelo tormento da dúvida, pelo medo que aniquila todo e qualquer espaço intimo de liberdade e criação. Um romance fascinante e perturbadr, com uma intenção claramente transgressora no elogio que tece ao individualismo narcísico do refúgio dos dois amantes na sua torre de marfim, e extremamente inquietante na nitidez com que os desvela os contornos da «terrível servidão do amor».
Fragmentos de Amor Furtivo, o segundo livro de Héctor Abad Faciolince, foi galardoado com o prémio Beca Nacional de novela de 1996.