Do interior da grandeza dos seus escassos 6 metros quadrados, há um quiosque que não se limita a vender jornais e revistas. Soltando-se do rótulo de típico elemento urbanístico, ultrapassando o seu complexo de inferioridade, conquistando vida própria e adquirindo a personalidade que só os pequenos-grandes quiosques ousam almejar, há um quiosque que retrata em palavras o que vive à sua volta. Um quiosque pequeno, é certo, mas com sentimentos. A provar o que todos sabiam mas que ninguém ousara ainda afirmar: os quiosques também têm diários.
“Por vezes sinto-me obrigado a desconfiar que tudo isto não passa de um super big brother, uma mega produção de apanhados que irá para o ar dentro em breve. De facto, as peças começam a encaixar.
A forma entusiástica como literalmente me empurraram para o negócio, numa altura em que duvidava da sua viabilidade, mas que mesmo assim me fizeram avançar. O senhor que na falta do Expresso, levou o Jornal do Sexo. A velhinha que à força me queria comprar um saco de milho. O puto que se barricou dentro do quiosque, numa tentativa desesperada e fracassada de escapar a uns tabefes do pai. O dia em que a M., nos poucos minutos que me substituiu, despachou toda a remessa do jornal Ocasião, pensando tratar-se de um jornal de anúncios gratuito. O contingente da EDP que procurava luz e descobriu um porão.
Enfim, há aqui material mais que suficiente para um pack de 12 episódios de apanhados, em que o apanhado sou eu.
Agora é tarde. Assim de repente, relembro as vezes em que levei o dedo ao nariz (por vezes dois dedos!), em que anulei comichões abaixo da cintura, em que persegui rabos com o olhar. Pergunto ao meu médico se tudo isto não passa da minha imaginação. Não diz que sim nem que não. Para ele, trata-se de um mecanismo de defesa, próprio das pessoas super inteligentes.”