«Tudo visto e somado, talvez estes diários me tenham ajudado a melhor encontrar “a minha voz escrita”, na expressão feliz de Jorge Luis Borges, aquela que nos distingue dos demais e nos torna facilmente reconhecíveis. Porque escrever é também saber transmitir a nossa diferença e afirmar a nossa singularidade, por mais anódinas que sejam, e cultivá-las sem pressa de chegar ao fim, como quem apenas cuida do que é seu. E assim, aos poucos, aclarando sombras, se vai compondo o desenho e retocando o perfil. Se calhar tudo isto é parco e deixa a desejar, não me admiraria, mas é o meu mundo, são as minhas referências, outras não conheço nem invento.
Último diário que é também privilégio dos anos que se acumulam: sim, a partir de certa altura, um viver alheio à urgência de viver, um saborear o tempo, ignorando-o. Aliás, devo confessá-lo, nada disto me surpreende por aí além, sou de há muito familiar destas coisas, e sempre assim vivi, por intervalos, entusiasmos e intermitências.
No fundo, fui toda a vida um flâneur – sorte, a minha! – e se estas páginas algum mérito têm é essa atenção simultaneamente empenhada e distraída com que olho o tempo e o mundo à minha volta. E cá vou ficando à espera do que tarda em chegar: uma verdade em forma de conclusão.»