«Desde Platão que os diálogos são uma excepcional forma de comunicação. E as parábolas, desde os Evangelhos, são usadas para transmitir preceitos morais. A ironia é a forma por excelência de concretizar a párabola, pois é das coisas sérias que nos devemos rir. Ridendo castigat morus, já diziam os romanos. Em O Corrupto e o Diabo, Paulo Morgado coloca o Diabo a dialogar com o Corrupto, usando a ironia de uma parábola para nos fazer perceber a corrupção e para nos mobilizar para lutar contra ela. O retrato que nos faz Paulo Morgado é do "corrupto português", uma espécie de corrupto médio, pois os nossos corruptos não são muito sofisticados e brilhantes. Entre nós a corrupção nunca poderia ser considerada como uma arte. A corrupção é em Portugal considerada apenas como um crime de perigo: só é perigosa quando se é apanhado. O Diabo, esse, como convém a um anjo caído, revela a inteligência, a malícia, a frieza e a determinação que se espera. E o texto lê-se sempre com um sorriso nos lábios, um amargo na boca e uma revolta no peito. O que não é pouco. Até porque, aqui, toda a semelhança com a realidade não é pura coincidência.» José Miguel Júdice