«Recolhem-se nesta antologia agudas traduções visuais de expressões e gestos, metáforas a torto e a direito, armadilhas lançadas ao modo como olhamos. Num jogo geométrico de plasticidade cubista, umcarteiro tenta a proeza habitual de colocar a gigantesca revista na caixa de correio anã. Um gestor sobre um mapa da Península Ibérica muda a sua cadeira de um país para outro. Estas são versões simples de umprocedimento que ganha espessura e interpela.Um homem de pé sobre o piano segura-lhe a tampa e enfrenta uma escadaria que leva à luz: uma tentação. Um pequeno barco a remos afinal contém um lado que contém uma ilha que contém uma casa. O dramaturgo maior estende uma tela que inclui não apenas as figuras em palco,mas tambémo seu público como se Shakespeare fosse umsaltimbanco,máquina portátil de fazer teatro. Aqui há umas páginas, alguém fugia sorrateiramente de um livro: plágio. E que dizer da dupla na qual os livros camuflam as figuras no fundo: que melhor maneira para dizer que a poesia nos aproxima do mundo, nos desfaz nele? Estas situações nadas e criadas no meio da actualidade, e sobretudo aquelas onde o grafismo e pensamento melhor se conjugam, possuem uma notável tensão narrativa. São, em si, uma micro-história, pérola de um colar maior onde também há títulos e palavras, ícones e estilos.»
João Paulo Cotrim