Numa das quatro crónicas que, em começos de 1997, e assinando José Cutileiro, escreveu para O Independente, lemos: «Vivo no estrangeiro. […] Na minha cabeça, Portugal tende a ser uma recordação fixa, como quem, viajando num túnel, imaginasse a paisagem exterior a partir da sua memória dela. Falta-me o embate constante como o que se passe e com o que os outros forem achando daquilo que se passe».
Haveria, pois, aqui e ali, sobreposições do cronista Kotter com o antropólogo Cutileiro. Poderão ter sido os dois a afirmarem, num bilhete: «Há muito tempo que não faço excursões pela província.» E noutro: «Já não tenho idade nem saúde para calcorrear Portugal de lés a lés e, pelo que me dizem, talvez não o reconhecesse.» Parece admissível que os «Bilhetes» tenham cessado no quadro de uma remodelação no último semanário onde saíam. Mas eles já haviam sobrevivido a outras convulsões. Pode igualmente admitir-se que o cronista via, ao fim de 16 anos, satisfatoriamente consumada essa aventura que nunca cessara de espantar Freddy Kotter: a de uma intervenção regular, e visível, em prestigiados pódios de opinião. Sem a ilusão de influir, decerto, mas com não menos disposição de afrontar.
Podemos ir mais longe, e supor que os «Bilhetes» serviram a divulgação — sob a adorável cifra de uma autoria estrangeira — de convicções e alvitres que o diplomata tinha de reservar aos gabinetes, quem sabe sob que mais elaborados códigos ainda. Álibi sofisticado, à falta de ser perfeito, os Bilhetes de Colares tiravam forças desta recusa de um mundo de palavras medidas que era, dia e noite, o de José Cutileiro.