Esta é a história do amor de duas mães pelos seus filhos. O filho de uma morreu para honrar os valores do pai, a outra morreu para que o seu filho pudesse viver. As duas mulheres, uma portuguesa e uma angolana, são a avó e a mãe deste neto, órfão-feiticeiro, que nasceu já com dentes, um sinal que levou a prever que seria dotado de poderes extraordinários. A sua mãe temeu que ele tivesse o destino das kindoki, as crianças-feiticeiras de África, abandonadas pelas famílias que as julgam responsáveis pelas desgraças que caem sobre elas e por isso o defendeu até à morte.
A história deste órfão-feiticeiro atravessa o fim do regime de Salazar e da guerra colonial, a independência e a guerra civil de Angola, os prodigiosos anos 80 e 90 em que surgiram os computadores, Portugal aderiu à Comunidade Europeia, aboliu o papel selado e saiu da administração do inqualificável território de Macau, capital mundial do jogo, encerrando o seu ciclo do império.
O órfão que nos narra a história através da conversa com o seu tio Ernesto, na varanda de uma casa no bairro Sambizanga, em Luanda, é o neto rejeitado quer pela família da mãe, a poderosa família Gonzaga, uma das grandes famílias crioulas de Angola, quer pela família do pai, um jovem piloto-aviador português, filho de Augusto Torres, um político salazarista. É alguém que, sem merecer o sacrifício dos pais, se furtou a seguir o rasto de muito poder e pouco escrúpulo dos avós, que cumpre a vida como o pagamento de uma promessa feita, não por ele, mas pelos que morreram para ele viver.