Laurence Bardin, professora-assistente de Psicologia na Universidade de Paris V, aplicou as técnicas da Análise de Conteúdo na investigação psicossociológica e no estudo das comunicações de massas. Este livro procura ser um manual claro, concreto e operacional desse método de investigação, que tanto pode ser utilizado por psicólogos e sociólogos, qualquer que seja a sua especialidade ou finalidade, como por psicanalistas, historiadores, políticos, jornalistas, etc.
Prefácio
O que é a análise de conteúdo actualmente? Um conjunto de instrumentos metodológicos cada vez mais subtis em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a «discursos» (conteúdos e continentes) extremamente diversificados. O factor comum destas técnicas múltiplas e multiplicadas — desde o cálculo de frequências que fornece dados cifrados, até à extracção de estruturas traduzíveis em modelos - é uma hermenêutica controlada, baseada na dedução: a inferência. Enquanto esforço de interpretação, a análise de conteúdo oscila entre os dois pólos do rigor da objectividade e da fecundidade da subjectividade. Absolve e cauciona o investigador por esta atracção pelo escondido, o latente, o não-aparente, o potencial de inédito (do não dito), retido por qualquer mensagem. Tarefa paciente de «desocultação», responde a esta atitude de voyeur de que o analista não ousa confessar-se e justifica a sua preocupação, honesta, de rigor científico. Analisar mensagens por esta dupla leitura, onde uma segunda leitura se substitui à leitura «normal» do leigo, é ser agente duplo, detective, espião... Dai a investir-se o instrumento técnico enquanto tal e a adorá-lo como um ídolo capaz de todas as magias, fazer-se dele o pretexto ou o álibi que caucione vãos procedimentos, a transformá-lo em gadget inexpugnável do seu pedestal, vai um passo... que é preferível não transpor.
O maior interesse deste instrumento polimorfo e polifuncional que é a análise de conteúdo reside - para além das suas funções heurísticas e verificativas — no constrangimento por ela imposto de alongar o tempo de latência entre as intuições ou hipóteses de partida e as interpretações definitivas. Ao desempenharem o papel de «técnicas de ruptura» face à intuição aleatória e fácil, os processos de análise de conteúdo obrigam à observação de um intervalo de tempo entre o estímulo-mensagem e a reacção interpretativa.
Se este intervalo de tempo é rico e fértil, então há que recorrer à análise de conteúdo...
Este livro pretende ser um manual, um guia, um prontuário. Tem por objectivo explicar o mais simplesmente possível o que é actualmente a análise de conteúdo e a utilidade que pode ter nas ciências humanas. Para desempenhar melhor esta tarefa foram tomadas algumas opções.
- Descrever a evolução da análise de conteúdo, delimitar o seu campo e diferenciá-la de outras práticas (primeira parte: história e teoria).
- Pôr o leitor imediatamente em contacto com exemplos simples e concretos de análise, decompondo pacientemente o mecanismo dos processos (segunda parte: práticas).
- Descrever a textura, ou seja cada operação de base, do método, fazendo referência à técnica fundamental, a análise de categorias (terceira parte: métodos).
- Apresentar, indicando os seus princípios de funcionamento, outras técnicas diferentes nos seus processos mas que respondem à função da análise de conteúdo (quarta parte: técnicas).
No conjunto tentou-se conseguir um equilíbrio entre a diversidade (referência a trabalhos americanos frequentemente mal conhecidos em França; indicação das possibilidades de tratamento informático; menção de aplicações a materiais não linguísticos) e a unidade (no início dos últimos vinte e cinco anos do século XX era necessário desembaraçar a análise de conteúdo dos diversos olhares sobre «o que fala» e marcar a sua especificidade).