Ouvia a voz em silêncio, aquela voz sôfrega que desde imemoráveis tempos lhe falava de dentro para fora.
Não, não quererias viver com ela. Por que haverias de querer? Seria um absurdo. O que tu queres, ouve bem, o que tu queres é a verdadeira, a única, a inalcançável eternidade. Lenta e firme como uma roda gigante, os dentes da engrenagem a girar, a girar, a girar, a girar. A eternidade. Sim, a eternidade do sono inalterável. A pureza das crianças, mas estática, a fragrância das rosas, a sombra indestrutível das palmeiras no caminho, o sol sempre a meia-haste, bandeiras de neblina. São verdades da vida terrena que te não interessam, é certo, mas serão verdades na vida eterna que o silêncio e a quietude absoluta te farão, pela primeira vez, apreciar. Só então te será dada a alegria e o contentamento que tanto lhe invejas. Só que para isso é preciso morrer. Claro, morrer é simples e matar ainda mais. Apagar simplesmente a luz, tal e qual ela fazia quando o sono lhe agitava as pálpebras e lhe macerava a atenção nos livros, antes de adormecer. Lembras-te de como sorria a dormir? Um simulacro da morte. A mais pura e autêntica felicidade. Olha, nasce a madrugada, real, previsível, contente de se renovar uma vez mais. Que tédio a vida terrena. Observa... A árvores retorcem-se, procuram a luz do sol que apenas vem a caminho. Os pássaros já começam a cantar. Sim, tapa os ouvidos. Que som terrível, amargo e vil.''