Não existe infância sem medos, angústias, aflições e riscos. Todos nós, durante a nossa infância, amedrontámo-nos, angustiámo-nos e afligimo-nos na proporção da funcionalidade, ou disfuncionalidade, das nossas famílias. A família é como se fosse uma enorme almofada sobre a qual, durante a nossa infância, nos divertimos a pular e a dar cambalhotas.
Quanto mais cheia e elástica, mais funcional ela é para as mil e uma acrobacias do crescimento. Quando a almofada está pouco cheia, ou ressequida com o tempo, o corpo ressente-se da dureza do solo que subjaz debaixo da almofada.
São estes pedaços da infância de acrobatas saltitões, ainda hoje vivos em nós sob a forma de traço mnésico, que nos permitem estabelecer identificações com as crianças que vamos encontrando. Muitas crianças não tiveram a sorte de encontrar almofadas suficientemente cheias e elásticas, e por isso muitas vezes trazem histórias de sucessivas quedas em seco, com o sabor áspero do vazio do chão. Algumas aprenderam que é demasiado perigoso saltar e decidiram ficar muito quietas, quietas demais, deprimindo-se. Outras, pelo contrário, desenvolveram a fantasia que se saltarem muito, muito alto, pode ser que venham a aterrar numa outra almofada, mais fofa, num outro continente onde a queda se torne macia. Estas crianças aprenderam a ser excessivamente saltitonas ou, se quisermos, excessivamente irrequietas.
É dentro desta lógica de saltos e cambalhotas que este projecto editorial se inscreve. Este livro é uma primeira tentativa, por isso mesmo arriscada, de partilharmos com os leitores interessados na área do acolhimento de crianças, uma parte dos privilegiados encontros teórico-práticos que fomos tendo com uma série de colegas e amigos nos últimos anos.