Abel Salazar não foi apenas o estudioso das células que introduziu um novo método para as corar - o método tanoférrico - e descobriu um importante componente das mesmas: o Para-Golgi. Foi também um entusiasta filósofo neopositivista, ardente seguidor da Escola de Viena, com uma vasta bibliografia publicada que deu origem a polémicas famosas com António Sérgio e outros. Finalmente, criou extensa obra artística em pintura, escultura e cobre martelado, com especial significado na expressão existencial da mulher trabalhadora.
Ainda que dirigidas a outro notável microscopista, Celestino da Costa, estas cartas possuem um interesse que não é meramente científico. Elas revelam toda a dolorosa vivência quotidiana dum pensador e artista encerrado num meio difícil e numa época ingrata.
São um depoimento autobiográfico único que nos ajuda, também, a compreender porque foi perseguido politicamente: não por ser político, mas por desenvolver uma intensa irradiação intelectual sobre o meio académico e a sociedade portuguesa do seu tempo.
ANTÓNIO COIMBRA
A linha editorial da colecção «Porto, Cidade de Ciência» privilegia a publicação de livros que nos ajudem a saber de nós e do nosso passado científico. Sem esse saber, não poderemos avaliar o progresso que, realmente, fizeram os cientistas que vivem e trabalham no Porto. Sem saber como é que a cidade, a Universidade e o país trataram os seus cientistas no passado, não poderemos avaliar bem o que nos pode esperar hoje, cientistas e não cientistas.
Há, sobretudo na nossa tradição cultural, uma enorme preocupação em não deixar esquecer o passado para que não venhamos a ser vítimas dos mesmos erros e das mesmas ameaças.
Uma cidade deve saber onde estão os seus cidadãos, não cientistas ou cientistas, e deve protegê-los do sofrimento e da exclusão. Mas seria insensato pensar que, no princípio do século XXI, só ao Estado central compete assegurar o nosso futuro: espera-se que as câmaras, as juntas de freguesia, as instituições sem fins lucrativos e a própria sociedade coadjuvem nessa missão.
Com a sua primeira publicação, o «Porto, Cidade de Ciência» procura justamente ajudar os seus cidadãos, cientistas e não cientistas, a ter outro futuro que não o de Abel Salazar.
MARIA DE SOUSA
Estamos, ainda, na madrugada do século XXI. Eis o momento certo para consagrar o Porto como «Cidade de Ciência». Trata-se dum desígnio antigo, perseguido por muitos cientistas e investigadores anónimos, que encontrou no início deste século as condições objectivas e, sobretudo, a sensibilidade bastante para a sua concretização.
Da alma do Porto faz parte um profundo gosto pelo rigor, pela sobriedade e pelo trabalho. Do carácter do Porto irradia um forte apelo à liberdade e ao progresso. A honra, a coragem e a ambição são marcas indeléveis das suas gentes. Eis os ingredientes bastantes para fazer do Porto uma «Cidade de Ciência».
A finalidade deste Programa consiste na promoção da cultura científica dos cidadãos. Importa sensibilizar a sociedade para a importância decisiva da Ciência, promover a divulgação científica e, com ela, demonstrar o enorme potencial que o Porto tem nesta matéria.
Três projectos integram um só programa. Um projecto virado para as ciências da vida, outro voltado para as ciências sociais e humanas e um terceiro virado para as ciências exactas e tecnológicas.
Entre outras linhas de acção, acarinhamos a edição de obras resultantes de estudos, trabalhos biográficos, correspondências ou compilações dos saberes produzidos por ou sobre personalidades ligadas à Ciência. O leitor tem, nas suas mãos, a primeira destas obras.
CARLOS MOTA CARDOSO